RESPEITE O MAR DO CASSINO
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Foto: Rafael Wutske |
Assustadora; a primeira imagem do mar do Cassino me veio através do ouvido, pela escuta de um conselho de uma rio-grandina. Demorei muito tempo para criar coragem e ver com os meus próprios olhos.
Por Pedro Moreira
“Respeite o mar do Cassino”,
foi o que primeiro ouvi logo que cheguei em Rio Grande. E é com essa frase
enigmática que inicio esta crônica. Na época, eu nada sabia sobre essa cidade
portuária e histórica – primeira capital da província –, metade sul do Brasil.
Devo confessar, porém, que ainda hoje, passados quase dois anos vividos aqui,
ainda desconheço e muito essa cidade que se apresenta a mim possuidora de mil
faces.
À propósito daquela frase que
me soou aos ouvidos como um tapa, eu não conseguira entender: o que era o casino? Eu jamais ouvira dizer da maior
praia do mundo – ou do universo, como aponta alguns. E muito menos eu poderia
entender o que queria dizer o tal do respeito, atitude essa, desconfio,
obrigatória de todos nós para com o mar, para com qualquer mar. Eu não sabia,
mas não era qualquer mar, era o
Cassino, escrito assim com letra maiúscula e dois esses.
Assustadora;
a primeira imagem do mar do Cassino me veio através do ouvido, pela escuta de
um conselho de uma rio-grandina. Demorei muito tempo para criar coragem e ver
com os meus próprios olhos. E isso se deu num dia triste e frio – no meio do
inverno tão famoso quanto o mar de Rio Grande. Eu congelava e o mar me
esperava. O ônibus que me levaria até o limite terrestre estava vazio, com
algumas pessoas com as cabeças deitadas em janelas trêmulas e embaçadas pelo
calor da respiração.
Eu
mal conhecia o caminho. Sabia apenas que o ônibus parava bem próximo da estrada
que levaria para o mar, pela primeira vez. Eu jamais vira o mar. Talvez por
essa razão me demorei na intenção de ir visita-lo, fosse ele qual fosse, mas
quis o acaso que não fosse qualquer mar, mas o mar do Cassino. Algumas pessoas
me desaconselharam dizendo que eu me decepcionaria, que acharia sem graça, que
ficaria com uma imagem ruim sobre o que seria o mar.
Apesar
disso, como um matuto que sou, dei de ombros, torci o nariz e me fui. Nada me
deteria. E foi num dia em que eu me sentia mais sozinho do que nunca, longe de
tudo: do meu passado, da minha família, da minha terra longínqua. Fui. Ao
desembarcar do ônibus, eu tremia mais que suas janelas. Nunca sentira na pele
nem nos ossos tamanho frio – de onde venho, o frio pode ser interpretado como
uma leve brisa de outono. Me recobri com o cachecol e guardei as mãos nos
bolsos do casaco. Caminhei pelo final da Avenida Rio Grande até a imensa
estátua de Iemanjá. A olhei por algum tempo, sem fôlego pela caminhada.
Me
detive por algum tempo ali; os olhos fechados e ouvindo o vento cortar a minha
face e o barulho do mar enchendo os meus ouvidos como numa concha. Era o som de
milhões de anos que chegava até a mim. De fato, aquele era o mesmo som do
início de tudo, quando o ser humano sequer existia. Eis que o passado, o
presente e o futuro se misturavam na minha cabeça avoada. Tomei, por fim,
coragem e continuei. Andei sem parar e só me detive quando estava defronte com
a praia e os pés quase tocando a água fria. Foi uma imagem inesperada, por mais
que eu as construísse na cabeça. Era tudo muito plano. Era muito vento! O som
ensurdecia. Mas era tão fundo! Me enche de uma sensação estranha, não saberia
dizer se eu teria chorado. Sim, se eu fosse mais corajoso do que sou. Mas
guardei como uma impressão, um carimbo, aquela visão de uma retidão a perder de
vistas, uma retidão avassaladora. De um movimento nunca igual, todavia, o mesmo;
das ondas indo e vindo, indo e vindo, indo e vindo.
Pensei
em muita coisa. Como eu era pequeno diante daquela grandeza. Mas não me
apequenou, o mar. Somente me revelou o óbvio: a minha justa medida – nem a mais
nem a menos, a minha medida.
Por
fim, aquela frase enigmática me ressoou na lembrança como o conselho de uma
vida passada: “respeite o mar do Cassino”. Agora fazia mais sentido do que
nunca. Muitos acham o Cassino feio. E é. É de uma feiura que revela a natureza
forte e a agressividade com que a humanidade toca tudo quanto pode. “Respeite o
mar do Cassino” não é para o rapaz estrangeiro em sua própria pátria,
emocionado em ver pela primeira vez o mar, aqui, na maior praia do mundo, uma
praia feia e sem graça, mas sim para todos que não enxergam a beleza
contraditória que a natureza persiste em manifestar mesmo com a destruição do
meio ambiente.
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