NORTE, CENTRO, SUL INTEIRO



O projeto das trincheiras, da loucura, do caos público e financeiro, tudo parece escandalosamente premeditado por aqueles que agora sentam nas cadeiras parlamentares, e da presidência.


Por Pedro Moreira

     Há cinquenta anos, Caetano Veloso cantava “Alegria, Alegria” (1967); a controversa canção que desagradou em um primeiro momento – recebendo vaias –, logo em seguida o elevou ao status de popstar. Creio ser interessante começar com os famosos versos dela: “Sem lenço, sem documento/ Nada no bolso ou nas mãos”.  Esse é o sentimento que compartilho com o eu-lírico da composição. 
      No Brasil, as coisas nunca foram fáceis e talvez por isso que conquistamos, de modo geral, uma criatividade peculiar. Prova isso os gênios que a nossa cultura produziu: Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Jorge Amado, Guimarães Rosa, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Portinari, Chiquinha Gonzaga, Villa-Lobos, Cartola e muitos outros – só para citar alguns escritores, artistas plásticos e músicos; a lista continuaria por páginas e páginas.
         De fato, como a canção de Caetano indica, cresce uma sensação de dificuldade. Coisa semelhante aos anos 60, da ditadura militar e censura. É justo mencionar, aliás, o golpe de 2016, erroneamente nomeado como impeachment, que depôs a presidenta eleita e empossada Dilma Roussef, ocultando uma manobra parlamentar ideológica. Sou o jovem sem lenço nem documento, caminhando contra o vento. Não existe muita perspectiva. Não parece haver uma solução. O presente é duro. Duro como o quê. Desesperançados muitos jovens estudantes como eu, ficam à mercê, à margem. Um pouco mais à margem do que de costume – ainda mais nós negros, os periféricos, os excluídos. Desde 2016 que não sabemos o que é esperar algo de bom do governo. Norte, Centro, Sul inteiro, onde outrora reinou o baião de Gonzaga, agora impera o medo e a insegurança.
         Quando se consolidou o teatro do impedimento da presidenta, foi ali que perdemos. A partir dali nossa resistência seria travada numa trincheira ideológica, que estava sendo escavada há tempos. O projeto das trincheiras, da loucura, do caos, público e financeiro, tudo parece escandalosamente premeditado por aqueles que agora sentam nas cadeiras parlamentares, e da presidência.
         Nós estudantes, nós brasileiros, somos atacados diariamente pelas medidas do presidente-vampiro. Medidas essas claramente contra o povo. Nós e a presidenta, somos culpados pela crise que eles mesmos projetaram para conseguir o que queriam: o sucateamento do Brasil. E o que eles pretendem com isso? Nos vender a todos, tudo que é nosso: nossa força de trabalho por preço de banana, nossos recursos por preço de banana, nosso petróleo por preço de banana. Nos tornamos, de fato, uma república das bananas. Mas, não como aquelas que enfeitavam a cabeça de Carmen Miranda. Somos todos uns bananas. Fracos? Talvez. Entretanto, é isso que eles querem: que percamos as esperanças. Um povo desesperançado, à beira do caos, como aquele que eles permitiram ocorrer ao Rio de Janeiro, aceita qualquer solução, como a terrível Intervenção Federal com ares de militarismo, com a chefia de um general.
         A onde chegaremos? Creio que nem Deus saiba. Mas os homens de terno sabem. Eles planejam tudo. Não podemos permitir que eles manchem a imagem de um país tão fundamental quanto o nosso. Temos que lutar. Temos, mais do que nuca, que resistir. E resistimos. Empregados, eletricistas, mecânicos, estudantes etc. etc. Resistimos no dia a dia, dos afazeres domésticos. No trabalho. Com um olhar que já não alcança um horizonte.
         Eles podem cortar o bolsa família. Eles podem cortar as bolsas de estudo. Eles podem cortar os incentivos à educação. Eles podem roubar a nossa aposentadoria. Podem nos tirar os direitos de trabalhadores. Podem nos prender. Podem nos bater, parafraseando o que cantava Nara Leão. Não podem nos tirar a voz. A nossa força de vontade. A nossa criatividade. O nosso gênio brasileiro. Não podem vender aquilo que somos.
Quero terminar – ou não – com Caetano (sempre ele!): “Enquanto os homens exercem/ Seus podres poderes/ Morrer e matar de fome/ De raiva e de sede/ São tantas vezes/ Gestos naturais”.

Ouça as canções que foram citadas no texto.

         



         

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