4. POEMAS DE MÁRIO QUINTANA
Ouça e leia 4 poemas selecionados de Mário Quintana. Eles integram o livro Apontamentos de história sobrenatural (1976)
Biografia
Mario Quintana nasceu em Alegrete (RS), em 30 de julho de 1906. Trabalhou em vários jornais gaúchos. Traduziu Proust, Conrad, Balzac e outros grandes autores da literatura mundial. Em 1940, lançou a Rua dos Cata-ventos, seu primeiro livro de poesias. Seguiram-se Canções (1946), Sapato Florido (1948), O Aprendiz de Feiticeiro (1950), Espelho Mágico (1951), Quintanares (1976), Apontamentos de História Sobrenatural (1976), A Vaca e o Hipogrifo (1977), Prosa e Verso (1978), Baú de Espantos (1986), Preparativos de Viagem (1987), além de várias antologias. Faleceu no dia 5 de maio de 1994, em Porto Alegre.
fonte: https://globaleditora.com.br/autores/biografia/?id=1316
1. O velho do espelho
PARA PAULO RÓNAI
Por acaso, surpreendo-me no espelho: quem é esse
Que me olha e é tão mais velho do que eu?
Porém, seu rosto... é cada vez menos estranho.
Meu Deus, meu Deus... Parece
Meu velho pai — que já morreu!
Como pude ficarmos assim?
Nosso olhar — duro — interroga:
“O que fizeste de mim?!”
Eu, Pai?! Tu é que me invadiste,
Lentamente, ruga a ruga... Que importa?! Eu sou,
ainda,
Aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra.
Mas sei que vi, um dia — a longa, a inútil guerra! —,
Vi sorrir, nesses cansados olhos, um orgulho triste...
2. Depois do fim
Brotou uma flor dentro de uma caveira.
Brotou um riso em meio a um De Profundis.
Mas o riso era infantil e irresistível,
As pétalas da flor irresistivelmente azuis...
Um cavalo pastava junto a uma coluna
Que agora apenas sustentava o céu.
A missa era campal: o vendaval dos cânticos
Curvava como um trigal a cabeça dos fiéis.
Já não se viam mais os pássaros mecânicos.
Tudo já era findo sobre o velho mundo.
Diziam que uma guerra simplificara tudo.
Ficou, porém, a prece, um grito último da esperança...
Subia, às vezes, no ar, aquele riso inexplicável de
criança
E sempre havia alguém reinventando amor
3. Os grilos
Os grilos abrem frinchas no silêncio.
Os grilos trincam as vidraças negras da noite.
E o silêncio das vastas solidões noturnas
é uma rede tecida de cricrilos... Mas
impossível que haja tantos grilos no mundo,
pensa o doutor... Sim, talvez seja um problema do
labirinto,
retruco, telepático. Mas eu só acredito no que está
nos meus poemas,
doutor... Meus poemas é que são os meus sentidos
e não esses, tão poucos, que se contam pelos dedos
e não passam de um único bicho estropiado de cinco
patas,
com que mal pode se locomover.
Chego ao fim da consulta como chego ao fim deste
soneto.
Fecha-se a porta do poema e saio para a rua:
... um pobre bicho perdido, perdido, perdido...
4. Canção
Cheguei a concha da orelha
à concha do caracol.
Escutei
vozes amadas
que eu julgava
eternamente perdidas.
Uma havia
que dentre as outras mais graves
tão clara e alta se erguia...
que eu custei mas descobri
que era a minha própria voz:
sessenta anos havia
ou mais
que ali estava encerrada.
Meu Deus, as coisas que ela dizia!
as coisas que perguntava!
Eu deixei-as sem respostas
As outras vozes, mais graves,
tampouco
nenhuma lhe respondia.
O mundo é um búzio ocos
menino...
Mundo de vozes perdidas
e onde apenas o eco
eternamente
repete as mesmas perguntas
4. Canção
Cheguei a concha da orelha
à concha do caracol.
Escutei
vozes amadas
que eu julgava
eternamente perdidas.
Uma havia
que dentre as outras mais graves
tão clara e alta se erguia...
que eu custei mas descobri
que era a minha própria voz:
sessenta anos havia
ou mais
que ali estava encerrada.
Meu Deus, as coisas que ela dizia!
as coisas que perguntava!
Eu deixei-as sem respostas
As outras vozes, mais graves,
tampouco
nenhuma lhe respondia.
O mundo é um búzio ocos
menino...
Mundo de vozes perdidas
e onde apenas o eco
eternamente
repete as mesmas perguntas
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