QUANDO SE ESTÁ PARA MORRER

Conselhos de um fantasma sobre a vida.




Por Rafaela Pedroso


Dizem que quando se está para morrer, um filme da sua vida passa diante dos seus olhos, mas confesso que comigo não foi bem assim. Não. Não digo que fui dessa para melhor – não sejamos apressados. Para morrer, precisamos apenas estar vivos, então vamos com calma...

Segunda de manhã: transito caótico. Demorei uns bons quarenta minutos parado no trânsito. O usual para quem vive na grande São Paulo, mas para uma pessoa apressada como eu, era o fim do mundo. 

Talvez fosse esse meu principal problema da época. Vivia em função do tempo.

Precisava fazer tudo com rapidez.

Como eu era idiota! Se soubesse naquela época que o tempo pode ser um grande amigo, não iria querer poupá-lo. Voltando. Peguei trânsito. Cheguei ao trabalho. Trabalhei. O tempo passou. Hora de voltar pra casa. Era essa minha rotina. Minha vida apressada sem perder tempo com bobagem.

Era o que eu pensava na época, hoje, não sei de mais nada.

Corri mais uma vez para meu carro, o trânsito me esperava.

Segunda de tarde: transito caótico.

Meus dias se repetiam assim a semana toda, o mês todo, o ano todo.

E como todo dia, segui pelas avenidas congestionadas. O carro seguia lentamente, chegar ao farol fechado seiscentos metros do prédio onde eu morava. Faltava pouco. O sinal ficou verde, arranquei e não vi que um motoqueiro apressado fazia o mesmo, ao furar o sinal vermelho.

Sempre gostei de rapidez, mas naquele momento, desejei pois assim o carro a ser o mais veloz, poderia ter parado tempo, mas não era.

Confesso que ali, também vi o tempo e as ligações não atendidas, os almoços de família que cancelei para não perder tempo, um tempo, que eu, idiota não sabia se tinha ou não. O motoqueiro foi jogado a metros de distância e tudo o que pude fazer foi descer do carro.

Então, com essa culpa, desci do carro sem olhar para o lado e foi quando a morte veio até mim, branca, iluminada e barulhenta. Não tive tempo de gritar. Uma moto me lançara a metros de distância, assim como meu carro fizera com o motoqueiro segundos antes.

Como já disse, não houve retrospectiva de vida nem nada, apenas o gosto do sangue em meus lábios e uma escuridão opressora.

Como lhes conto minha história? Também não sei, essas são palavras sussurradas no vazio por um moribundo ou fantasma. Já disse, não sei bem o que sou.

Despertei um dia assim, apenas uma consciência fora do corpo. Ninguém consegue mever, mas eu vejo a todos. Vi médicos e  enfermeiros entrando e saindo. Vi amigos e familiares. Vi meu pai chorar em silêncio uma noite e vi minha mãe. Vigilante constante e fiel.

Confesso que ali, também vi o tempo e as ligações não atendidas, os almoços de família que cancelei para não perder tempo, um tempo, que eu, idiota não sabia se tinha ou não.

Que coisa, quando somos jovens pensamos que a vida é só nossa. E pensamos que sempre teremos tempo para fazer coisas que consideramos desnecessárias depois, mas não.

Não temos e o mundo continua sem você.

Sim, pode parecer sofrível, mas o organismo vivo que é a cidade grande continua a se mover, então, aceite esse conselho de um fantasma, abrace quem tem que abraçar, beije quem tem que beijar, diga seus sentimentos a quem tem que dizer, pois o tempo passa.

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