PELE-CHÃO

Leia um poema inédito de Pedro Moreira.
Foto/Reprodução: http://artjil.com.br/terras/

PELE-CHÃO

retire uma por uma
as balas depositadas
no corpo caído no chão
(o chão que é o corpo
onde tu pisas percorrendo
caminho de ódio)
o corpo cujo nome
se perdeu escorrendo
silenciosamente
como sangue ao lado
do corpo já sem nome
do corpo já sem desejo
*
retire uma por uma
as balas plantadas
no chão desse corpo
ocultado debaixo do sol
na viela sem testemunhas
pois os vizinhos
já não têm mais olhos
apenas câmeras
*
mas olhe que engraçado
as câmeras são como pragas
que os soldados
tentam exterminar
mas não tem problema
olhos mesmo eles
já se encarregaram
de desligar — o outro
jeito é apagar o cartão
de memória
do que os olhos
dos vizinhos viram
*
soldados não servem
para a agricultura
mas olhe que ironia
eles muito semeiam
a morte entre nós
*
sabe qual é o barulho
das balas entrando no corpo?
é como uma chuva de granizo
caindo pesada e grossa
sobre o chão
fazendo buracos
onde as formigas-rainhas
não vão constituir
um novo reinado
*
as balas são como estrelas cadentes
ou pequenas bombas
que explodem debaixo da pele
no meio da carne
as balas são como cânceres
metálicos se reproduzindo
ou pipocas estourando
dentro de uma panela fechada
*
retire uma por uma
as balas todas
como se pudesse
retirar a morte do corpo
*
dizem — só não
posso provar —
que a terra preta
é o chão preferido
aquele que (eles sabem)
é terreno fértil
de onde brotam muitas mortes
caso você saiba plantar direitinho
as sementes certas
como fazem os soldados.

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