1 poema traduzido de Himani Bannerji (1942-)


Himani Bannerji lendo poemas no evento de Poesia Política Radical. Canadá, Toronto — 18 October 2014.


Humani bannerji (1942) nasceu numa região que hoje pertence a Bangladesh. Transferiu-se para o Canadá em 1969. Filósofa e escritora, é professora da Universidade de York. Publicou ensaios sobre feminismo, socialismo e raça. Além da produção acadêmica, lançou livros de romance e poemas: The Two Sisters (1978), A separate Sky (1982), Doing Time (1986), Coloured Pictures (1991), entre outros. Até onde sei, é inédita em português.



Numa época como a nossa, em que emergem profundos debates sobre raça e gênero, é de extrema importância traduzir uma autora que reflete sobre essas questões. Bannerji é difícil de categorizar, pois ela é tanto conhecida pelo seu trabalho acadêmico como pelo seu trabalho literário.

Confira a tradução.
* a versão original será adicionada em breve.


CUMPRINDO PENA

i
Isto não é um poema, nem é a introdução aos meus poemas,
porque não consigo mais escrever poemas. Está mais para
uma nota, ou um memorando, que eu frequentemente escrevo,
esqueço de entregar e, um dia, acaba encontrando seu caminho
para a lixeira mais próxima ou acaba caindo na calçada. Pessoas pisam nele,
fica todo manchado de lama e, finalmente, se firma entre
as grades de ferro da ventilação. 
E assim por diante.

ii
Mas, como eu estava dizendo, não consigo mais escrever poemas
porque não sei qual língua, quais palavras, quais
metáforas ou mitos eu poderia usar para descrever o mundo
ao meu redor ou expressar o que sinto sobre ele. E eu
não tenho certeza se deveria existir mais algumas dessas
metáforas por aí ou mitos ou símbolos 
ou qualquer outra coisa que eles se chamem. De fato, agora mais do que nunca,
eu sinto que as coisas têm sido mais elas mesmas.
São o que são. Estão inteiramente reveladas. Todos
os tijolos, arames farpados, concretos, aços, vidros, gases,
bombas, helicópteros, cachorros e os jornais de Wallstreet estão
aí para vermos. Se nós que não somos brancas e, ainda por cima, 
mulheres, não entendermos ainda que vivemos numa prisão por aqui,
que nós estamos cumprindo pena, então somos tolas fazendo
jogos detestáveis a gente mesmo. Não vou tão longe,
contudo, como se dissesse que nós merecemos o que temos.

iii
A prisão, isso pode ser contestado, é uma metáfora, um mito
que eu, e outras pessoas como eu, construíram para
mitificar nossos pequenos problemas, para glorificar, romantizar nossas
vidas fúteis. Um complexo de prisioneira semelhante ao complexo
da mártir - pronta para pedir mais pregos, chicotes,
correntes etc. Mas discordo e não vou mais explicar.
Em vez disso, estou dizendo que, para nós, a tão perseguida palavra
“liberdade” é o espalhar de um mito ou uma metáfora
encobrindo a prisão em que vivemos, onde, e eu 
insisto, estamos cumprindo pena. Nós, que aqui vivemos
de dizer “Sim, chefe”, ou nos tornamos homens e mulheres trapaceiros
e apostadores e vigaristas que não vão admitir que a fissura
tão certeira fina como o corte de uma faca nos separa
dos arquitetos que se sentam em suas torres seguras, vivemos aqui
em enorme subordinação, talvez tão grande quanto aquela na África do Sul,
onde a enorme cobertura branca foi pelos ares. 

iv
O que estou dizendo? Estou dizendo que não vou me associar
àqueles que não sejam camaradas prisioneiros e conspiradores.
Qualquer um que possa dar ordens, mesmo as pequenas,
está no nível dos guardas, mesmo aqueles que pensam
que têm esse direito. A pessoa complacente, mesmo aquela
que, bem no fundo, pode ouvir uma silenciosa e pequena voz de conforto, mesmo
em seus sonhos, deve ser visto como traidora. Todas as frescuras, as bugigangas
bregas e as outras coisas precisam ser destruídas. Quartos,
locais de trabalho, ruas, existem apenas para serem vistos como campos de treinamento,
onde, ao derrubar moedas nas portas giratórias, podemos
simular gestos - horizontais ou verticais. Prisões mesmo quando
são mobiliadas por designers  do momento não se tornam lares, mas
velórios.

v
“Ah, quão amarga, furiosa e impaciente você se tornou”
você diz - olhando para mim com tristeza, através
da mesa em um restaurante que está se engasgando com seu próprio
menu caro e as paredes de onde Maias, 
Astecas e Incas mortos me encaram sem olhar. A flauta
dos Andes e aquelas decisões difíceis que você tem
que tomar e outras também. Existem, como sabemos,
dois lados de tudo - esse é o outro lado da liberdade.
Eu vejo o vidro de segurança se desfazer entre nós.
Do outro lado, você está mais limpo e bem-amolado. Seu cabelo está
castanho claro como folhas de outono. Isso afeta a forma
como você pensa?

vi
Não é possível. Eu sou acometida pela curiosidade. Minha mentes deriva
e não estou ouvindo uma só palavra que você diz. Na verdade, estou entediada.
Entediada com as palavras inteligentes, a sua política
de espaços pequenos, as suas boas ações para com a África, as suas ONGs,
a sua fala sobre socialismo, a sua comida saudável, as suas sandálias da Birkenstock,
a sua preocupação obsessiva com a própria extinção pessoal.
Estou tão entediada que eu poderia chamá-lo de mentiroso
mesmo que eu não acredite nisso. Observo o céu noturno, poucas
estrelas estão visíveis para variar e construo ociosamente
um zodíaco particular como um colar de Soweto. “Como você leva 
as coisas para o lado pessoal!” Eu? Acho que sim. Desde quando? Eu olho
para os meus poemas antigos. Sim - há uma quebra neles. Acabaram os dias
em que eu tinha uma particular vida ‘privada’ - quando
uma relação ruim me machucava mais do que as notícias de jornal pela manhã.
“Você não tem mais vida pessoal?”, você questiona balançando
sua cabeça um pouco, como de costume. Não, não tenho. É um tipo de luxo
ter uma vida pessoal. E, além disso, como Ruth First disse, antes
deles explodirem-na em pedaços, em seus 117 dias presa, vida pessoal 
é construída com uma história pessoal, símbolos pessoais,
dos quais você abre mão assim que entra na sala do diretor da prisão
e usa roupas que outras pessoas fizeram. Sim, eu não tenho
vida pessoal - mas de novo não? Eu me tornei

muitas pessoas.

Assista ao vídeo:



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