4 POEMAS DE TARSO DE MELO

 

Tarso de Melo. Montagem a partir de fotografia de Ilana Lichtenstein.


Leia 4 poemas de Tarso de Melo, um dos poetas contemporâneos da maior importância. 


Tarso de Melo (Santo André. 1976) lançou os seguintes livros de poemas: A lapso (Alpharrabio, 1999), Carbono (Alpharrabio, Nankin, 2002), Planos de fuga e outros poemas (CosacNaify, 7Letras, 2005), Lugar algum (Alpharrabio, 2007, apoio da Bolsa Vitae de Artes), Exames de rotina (Editora da Casa, 2008) e Caderno inquieto (Dobra, 2012, apoio do PROAC/SP), reunidos no volume Poemas 1999-2014 (Dobra, E-galáxia, 2015), entre outros. Os poemas abaixo foram selecionados de seu livro Íntimo Desabrigo (Dobra, 2017).


Verônica

Eu queria ver apenas as fotos em que Verônica está linda.

Nunca mais ver Verônica como os homens a quiseram.

Nunca mais ver o homem que os homens arrancaram de Verônica.

O bicho que os homens buscaram dentro de Verônica, nunca mais.

Não suporto as fotos em que Verônica desaparece

sob os escombros em que os homens a transformaram.

Não suporto as fotos, os homens, seus socos impressos em Verônica.

Nunca mais quero ver os olhos, o sangue, as marcas

que os homens acharam detrás dos cílios de Verônica.

Nunca mais quero ver os gritos que os homens estamparam

na cara, nos dentes, no sonho, no globo ocular de Verônica.

Nunca mais quero ver o que os homens fizeram para verem

a si próprios em Verônica, para não se verem em Verônica.

Nunca mais quero ver os cabelos que os homens acharam

sob os cabelos de Verônica, o corpo que espancaram sob as roupas

de Verônica, o monstro que pariram com seus chutes.

Nunca mais. Nunca mais. Nunca mais.


*

Dia nulo


(O sol já golpeou o frio da madrugada

Daí em diante, se há algo a contemplar,

não é da ordem dos astros. É desastre.)


*


Canto


com os pés descalços sobre o país em que nasci

arrasto ideias como correntes de um canto a outro do território

que cabe em minha mente e caio caio caio

arrasto o peito nas inscrições que o passado deixou em cada pedra

espalho o sangue dos ancestrais que desconheço

escrevo inscrevo gravo guardo os segundos nas mangas de mágico

da camisa intocável que resiste ao arrasto

pela geografia desses solavancos em que meu canto quieto pasto


*


Panta rei


Heráclito não tinha pressa:

em cada fio de que são feitas

as coisas todas vivem

de comer a si próprias

e assim se encaminham

para o desaparecimento

dentro do mais dentro de si

(o calor escala a luz)

: talvez seja este o nome

que nunca tivemos coragem

de dar à nossa esperança



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