Três poemas de Etheridge Knight (1931-1991)

McGuire Studio


Etheridge Knight (1931 - 1991) foi um poeta norte-americano. Abandonou os estudos para lutar na guerra da Coreia (1950 - 1953). Quando da sua volta, desenvolveu dependência de drogas. Depois de praticar roubo à mão armada, Knight foi condenado a oito anos de prisão. Seu primeiro livro é Poems from prison (1968), no qual, se lê a célebre frase: “Morri na Coreia de uma ferida de estilhaço e as drogas me ressuscitaram. Morri em 1960 de uma condenação à prisão e a poesia me trouxe de volta à vida”. Sua obra alcançou maior projeção ao ter o livro Belly Song and Other Poems (1973) indicado ao Pulitzer Prize e ao American Book Award. 



***


Se sentindo fodido



Deus ela se foi mesmo me deixou feito as malas/ e dividido

e eu sem ter como fazê-la

voltar e em qualquer lugar o mundo é desprotegido

osso brilhante branco         areia cristalina cintila

morte por droga morrendo e agindo como um tolo a levou

para longe a fez tomar sua risada e seus sorrisos

e sua suavidade e seus suspiros da meia-noite --


Fodam-se Coltrane e a música e as nuvens rodopiando no céu

fodam-se o mar e a árvores e o céu e os pássaros

e os crocodilos e todos os animais que rugem pela terra

fodam-se marx e mao fodam-se fidel e nkrumah e

a democracia e o comunismo fodam-se a heroína e a maconha

e tomates red ripe foda-se josé foda-se maria fodam-se

deus jesus e todos os discípulos fodam-se fanon nixon

e malcom foda-se a revolução foda-se a liberdade foda-se

toda e qualquer porra

tudo que eu quero agora é a minha mulher de volta

então minha alma poderá cantar



Feeling fucked up 

 

Lord she’s gone done left me done packed / up and split

and I with no way to make her

come back and everywhere the world is bare

bright bone white crystal sand glistens

dope death dead dying and jiving drove

her away made her take her laughter and her smiles

and her softness and her midnight sighs—

 

Fuck Coltrane and music and clouds drifting in the sky

fuck the sea and trees and the sky and birds

and alligators and all the animals that roam the earth

fuck marx and mao fuck fidel and nkrumah and

democracy and communism fuck smack and pot

and red ripe tomatoes fuck joseph fuck mary fuck

god jesus and all the disciples fuck fanon nixon

and malcolm fuck the revolution fuck freedom fuck

the whole muthafucking thing

all i want now is my woman back

so my soul can sing



De: The essential Etheridge Knight (University of Pittisburg Press, 1986)


***


A ideia de ancestralidade


1


Coladas na parede da minha cela estão 47 fotos: 47 rostos

pretos: meu pai, mãe, avós (1 morta), a-

vôs (ambos mortos), irmãos, irmãs, tios, tias,

primos (1º & 2º), sobrinhas, e sobrinhos. Eles me encaram

através do lugar espalhados na minha beliche. Eu conheço

seus olhos escuros, eles conhecem os meus. Eu conheço o jeito deles,

eles conhecem o meu. Eu sou deles todos, eles são meus;

eles são fazendeiros, eu sou ladrão, eu sou eu, eles são você.


Eu, vez ou outra, amei minha mãe,

1 avó, 2 irmãs, 2 tias (1 foi pro asilo),

e 5 primos. Agora amo uma sobrinha de 7 anos

(ela me envia cartas escritas em letras garrafais, e

a fotografia dela é a única que sorri para mim).


Tenho o mesmo nome de 1 avô, 3 primos, 3 sobrinhos,

e 1 tio. O tio desapareceu quando ele tinha 15, apenas

partiu e pegou uma condução (eles dizem). Ele é lembrado todo ano

quando a família se reune, ele causa inquietação no

clã, ele é um espaço vazio. A mãe do meu pai, que tem 93

e que mantém a Bíblia Familiar com as datas de nascimento de todo mundo

(e os falecimentos) nela, sempre fala nele. Não há

lugar na bíblia dela para “paradeiro desconhecido”.


2


Todo outono o túmulo de meus avós me chama, as montanhas

marrons e as ravinas vermelhas do mississippi enviam suas mensagens

elétricas, reanimando meus genes. No ano passado / como um salmão abandonando

o oceano frio, saltando e subindo sua corrente de nascimento / eu

peguei carona em L.A. com 16 cogus no meu bolso e um

Morpho nas costas. E eu quase o mandei se fuder junto com os meus parceiros.

Eu caminhei descalço no quintal da minha avó / senti o cheiro da velha

terra e a floresta / bebi whiskey feito de milho em jarros de fruta com os homens

flertei com as mulheres / me diverti até os cogus acabarem

e meu vício ter uma baixa. Naquela noite eu olhei para a minha avó

e rachei / minhas entranhas clamando por heroína/ mas eu estava quase

satisfeito / eu quase tinha me alcançado.

(No dia seguinte em Memphis quebrei o cafofo de um otário por um pouco de paz)



Esse ano tem um muro de pedra cinza estragando minha vista, e quando

as folhas caindo agitarem meus genes, eu ando pela cela ou me jogo na cama

e encaro os 47 rostos pretos através do lugar. Eu sou todo deles, 

eles são todos meus, eu sou eu, eles são você, e eu não tenho filhos

para ficar no meio disso. 



The Idea of Ancestry

 

1

 

Taped to the wall of my cell are 47 pictures: 47 black

faces: my father, mother, grandmothers (1 dead), grand-

fathers (both dead), brothers, sisters, uncles, aunts,

cousins (1st & 2nd), nieces, and nephews. They stare

across the space at me sprawling on my bunk. I know

their dark eyes, they know mine. I know their style,

they know mine. I am all of them, they are all of me;

they are farmers, I am a thief, I am me, they are thee.

 

I have at one time or another been in love with my mother,

1 grandmother, 2 sisters, 2 aunts (1 went to the asylum),

and 5 cousins. I am now in love with a 7-yr-old niece

(she sends me letters written in large block print, and

her picture is the only one that smiles at me).

 

I have the same name as 1 grandfather, 3 cousins, 3 nephews,

and 1 uncle. The uncle disappeared when he was 15, just took

off and caught a freight (they say). He’s discussed each year

when the family has a reunion, he causes uneasiness in

the clan, he is an empty space. My father’s mother, who is 93

and who keeps the Family Bible with everybody’s birth dates

(and death dates) in it, always mentions him. There is no

place in her Bible for “whereabouts unknown.”

 

      2

 

Each fall the graves of my grandfathers call me, the brown

hills and red gullies of mississippi send out their electric

messages, galvanizing my genes. Last yr / like a salmon quitting

the cold ocean-leaping and bucking up his birthstream / I

hitchhiked my way from LA with 16 caps in my packet and a

monkey on my back. And I almost kicked it with the kinfolks.

I walked barefooted in my grandmother’s backyard / I smelled the old

land and the woods / I sipped cornwhiskey from fruit jars with the men /

I flirted with the women / I had a ball till the caps ran out

and my habit came down. That night I looked at my grandmother

and split / my guts were screaming for junk / but I was almost

contented / I had almost caught up with me.

(The next day in Memphis I cracked a croaker’s crib for a fix.)

 

This yr there is a gray stone wall damming my stream, and when

the falling leaves stir my genes, I pace my cell or flop on my bunk

and stare at 47 black faces across the space. I am all of them,

they are all of me, I am me, they are thee, and I have no children

to float in the space between.



De: The essential Etheridge Knight (University of Pittisburg Press, 1986)


***


Para os poetas negros que pensam em suicídio


Os Poetas Negros deveriam viver -- não saltar

De pontes de ferro (como os garotos brancos fazem.

Os Poetas Negros deveriam viver -- não deitar

Seus pescoços nos trilhos de trem (como os garotos brancos fazem.

Os Poetas Negros deveriam buscar -- mas não procurar muito

Em escuras cavernas encantadoras, nem caçar narcejas

Nas trilhas psicológicas (como os garotos brancos fazem.


Pois os Poetas Negros pertencem ao Povo Negro. São

As Flautas dos Amantes Negros. São

Os Órgãos das Dores Negras. São

Os Trompetes dos Guerreiros Negros.

Deixem todos os Poetas Negros morrerem como trompetes,

E serem enterrados na poeira de pés marchando. 



For Black Poets Who Think of Suicide


Black Poets should live — not leap

From steel bridges (Like the white boys do.

Black poets should live — not lay

Their necks on railroad tracks (like the white boys do.

Black Poets should seek — but not search too much

In sweet dark caves, not hunt for snipe

Down psychic trails (like the white boys do.

 

For Black Poets belong to Black People. Are

The Flutes of Black Lovers. Are

The Organs of Black Sorrows. Are

The Trumpets of Black Warriors.

Let All Black Poets die as trumpets,

And be buried in the dust of marching feet.



Black poetry: a supplement to anthologies which exclude black poets (Broadside press, 1969)



Pedro Moreira (1995) é poeta. Colaborou com as revistas Subversa, Mallarmargens e Desenredos. Seu livro de poemas Malemá, a sair pela editora Patuá, está no prelo. 

Comentários

Postagens mais visitadas