POSFÁCIO DO LIVRO MALEMÁ (2021), POR GABRIEL SANPÊRA

 Posfácio pelo poeta Gabriel Sanpêra


 Foto: Bia Ferrer, 2021. 

 

Por Gabriel Sanpêra*

 

Malemá convoca as duas faces de uma estória que embala acontecimentos numa canoa. Em alguns momentos é possível se sentir com os pés dentro de um balde de água quente.  A expressão escorrega dos domínios da medicina e encosta a cabeça, com calma, junto do leitor, no colo da avó. Essa figura que está na sua casa, na minha, ou que é alguma de nossas vizinhas e sua plantas adotivas. 

O “mais ou menos” do título respinga das plantas regadas pela figura ancestral e vai com o alento da água lavar o corpo, livrar do cansaço e benzer. Existe no texto um convite para sentar, arrumar a coluna na cadeira e ouvir  a avó durante os versos, acentuações e parágrafos. Somos colocados pelo autor de frente com essa figura mensageira, acolhedora, e até mesmo anunciadora. Mas não é uma personagem na trilha percorrida pelo autor. Ela é um ambiente de acontecimentos confortáveis.  

 

  (...)

 

  Mas, ao mesmo tempo, como nem tudo é o que parece ser, no mais ou no menos, é uma celebração. Malemá também pirraça os ponteiros.  

 

A morte é muito tempo.

Morrer dura pouco.

 

 É como se estivéssemos em uma maca, respirando num último segundo em direção a algo incerto, que é quando fechamos os olhos de vez.  

 O espaço de atenção é também um espaço de poder.  

 

O poeta 

funda nações. 

 

Eu fundo

minha religião.

 

E, em décadas de pedir o lugar para falar, pedir para que saiam do lugar… falar sem monólogos é estar vivo. Falar em cardume é estar em direção a uma guerra. O livro então deságua as memórias iniciais da avó e discursos no espelho, levanta do colo do matriarcado olhando para dentro.  

O poeta agora é um ser que funda sua religião. Ele cria os próprios cetros, altares com velas ou placas de luzes piscantes, porque ele é um deus e, ao mesmo tempo, é um agitador no culto do leitor. 

Encerro meus olhos sobre este trabalho com muita felicidade. Pedro é um escritor que possuo muito carinho e acredito que sua palavra vai escorrer por aí com movimento. O que me deixa feliz demais, pois quando nasce um livro, nasce um novo braço na ossada do escritor. Que ele usa de formas diversas, mas nunca para escrever. 

 

 

Gabriel Sanpêra (Barra Mansa, RJ, 1997) é poeta,

 autor de Fora da Cafua (Urutau, 2018) e A ossada de um moleque (Oríkì, 2021).


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