ALGUNS POEMAS INÉDITOS

 

Alguns poemas (quase) inéditos meus, Pedro Moreira.


ELEGIA REDUZIDA

 

 

 

 

 

Dorme como se estivesse desperto,

vagueando por cidades inóspitas.

Trabalha com pouco efeito. Destoa.

Caminha com a cabeça

caçando coquinhos, centavos, miudezas.

Não olha nunca as pessoas no rosto.

Arrasta o próprio charque

pelo mundo, esse vale de plásticos.

Alcança em tudo o medo de morrer.

Aguarda o dia do juízo final

com algumas folhas,

como se fosse uma bomba atômica

prestes a calar o mundo todo. Falha.

 

O fim do mundo não chega.

A carroça em que viaja apalpa o caminho

com ternura. Você não pode impedir

o que quer que seja. Passa os dias cantando.




///


CASULO

 

 

 

Esguicho palavras dentro do casulo.

Você e seu séquito de insetos pelejam.

 

A sua espécie não sofre de metamorfoses.

Nasceu já desenhado para o futuro.

 

Mortifico-me. Sacrifico as patas.

Coagulo no seu colo,

 

enquanto canta em meus ouvidos.

Soa como uma cigarra psicodélica.

 

O bafo do teu canto

aquece o meu sexo. Desperta-o.

 

É quente. O sol não vem.

Mas o dia está aqui.

 

Sonho com um voo definitivo,

que também não chega. Avante: sibila.

 

Espicha os dedos, mas não me toca.

A voz não me alcança o corpo. Reduz.

 

Para que tudo desperte, morro.

Mas você não deixará de percorrer o mundo.

 

E em algum momento da vida,

encontrará, no mais estreito dos vãos,

 

talvez debaixo de um graveto,

as palavras introduzidas naquela noite.

 

Cruzo as pernas e me deito. Se viesse, teria 

de acordar meu outro corpo já saudoso do seu.



///



TRAÇÕES

 

 

 

 

 

 

As canseiras que não me exijam

esforço para repousar,

nem a árvore me peça que descanse

sob outra sombra, em outro pasto,

nem as estrelas que eu durma

com a janela aberta, sem receios,

nem os mortos que os receba

à beira da cama, com aguardos,

nem os cães que eu tolere

seus chamados inconsoláveis,

nem os gatos que me alegre

com seus inúmeros acasalamentos,

nem os deuses que eu aceite

o destino engendrado por eles,

nem a mim mesmo que eu queira

dizer coisas como essas, confissões

que escapam da boca, imprudentes.

 

A traça começa. Não termina jamais.



///



RÉS RÊS

 

 

                        

 

 

Não se descansa neste teto

mas se almoça e se bebe,

não se ri, mas se dança,

não se enrosca, mas se empalidece,

não se corre, mas se manca,

não se diz certas coisas

mas se atormenta com passos;

 

não se mede os termos,

não se calcula as preces,

não se funde os nervos,

não se avalancha sobre nós

os dias de cão e cebola,

mas há vida, sim, e cipós

que crescem à medida

 

em que nos entristecemos;

as mãos se levantam, escuto

esculachos, a pólvora se agita

depois os sovacos, sudorese,

desânimos, e mais coisas

quebradas ao alcance dos dedos;

não se felicita nesta casa, onde


as vias aéreas se trancam,

onde as portas são passagens

entre esta vida e a outra;

mas, num domingo, muito cedo,

em que as camas dormem

e as pessoas se assemelham

ao conteúdo das manjedouras,

 

ou mesmo aos pastos, em orvalho,

sonha-se com capelas no meio

da noite, casas de sapé e taipa,

nomes antiquíssimos, cobras,

mugidos, apelidos, assombrações;

não se descansa nesta casa, em

que viver é tanger caminhos de rês.




///


PALMAS BENTAS

 

 

 

 

Atravessamos as léguas não contadas

com a obediência incitada

pelas águas, 

 

que sussurram em nosso

ouvido algumas estórias

e botões,

 

cujo peso, e as idas ao terapeuta

haviam de ter tornado

tudo pior,

 

mas que, com um gesto das mãos,

pude, como deveria,

suportar.

 

E agora, como antes, as coisas aliviam

um pouco a cada dia,

até ficarem

 

muito mais dissidentes, revoltosas,

ou até mesmo calmas,

como deve ser.

 

Você sorri para mim como se eu

fosse um fotógrafo

atirando:

 

o mundo inteiro corresponde

ao nosso desejo, e enfarta, 

e revê estrelas

 

caindo do céu, como se fossem

grãos de farinha

polvilhados

 

sobre todos nós. Querido, querido,

como tem sido duro

andar por aí

 

esquecido de mim, de nós, e das coisas

todas que nós combinamos

de não esquecer.


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